Foi de Lutero a ideia de dividir a educação em três grandes
ciclos (fundamental, médio e superior)
Frase de Martinho
Lutero:
“Quando a escola progride, tudo progride”
Martinho Lutero nasceu em 1483 em Eisleben, norte da
Alemanha. Seus pais queriam que fosse advogado, mas ele procurou formação num
mosteiro em Erfurt. Aos 25 anos, foi para a Universidade de Wittenberg, onde se
formou em estudos bíblicos. Numa viagem a Roma, ficou escandalizado com os
costumes do clero. Ao voltar, iniciou carreira de professor e pregador, sob
proteção do príncipe Frederico, o Sábio. Em 1517, Lutero publicou suas 95 teses
teológicas. Quatro anos depois foi excomungado pelo papa Leão X e reafirmou
suas convicções perante os governantes alemães, na Dieta (reunião parlamentar)
de Worms, de onde saiu proscrito. Após um ano refugiado, sob proteção de
amigos, retomou a vida religiosa em Wittenberg. Em 1525, casou-se com a
ex-freira Katherina von Bora. Nas duas últimas décadas de vida, ganhou
prestígio popular, enquanto o apoio dos governantes variava com as
circunstâncias. Em 1546, morreu durante visita a sua cidade natal.
Movido pela indignação e pela discordância com os costumes
da Igreja de seu tempo, o monge alemão Martinho Lutero foi o responsável pela
reforma protestante, que originou uma das três grandes vertentes do
cristianismo (ao lado do catolicismo e da Igreja Ortodoxa). O nascimento do
protestantismo teve profundas implicações sociais, econômicas e políticas. Na
educação, o pensamento de Lutero produziu uma reforma global do sistema de
ensino alemão, que inaugurou a escola moderna. Seus reflexos se estenderam pelo
Ocidente e chegam aos dias de hoje.
A ideia da escola pública e para todos, organizada em três
grandes ciclos (fundamental, médio e superior) e voltada para o saber útil
nasce do projeto educacional de Lutero. “A distinção clara entre a esfera
espiritual e as coisas do mundo propiciou um avanço para o conhecimento e o
exercício funcional das coisas práticas”, diz o pastor Walter Altmann,
presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
Venda de indulgências
Embora nunca tivesse planejado uma cisão na Igreja, Lutero
dedicou a maior parte de sua vida à polêmica doutrinária em torno da fé cristã.
Sua produção intelectual foi intensa e erudita, e seus atos, graças ao
surgimento da imprensa e do clima de descontentamento social, ganharam vasta
repercussão. Apesar da complexidade do cenário, pode-se identificar dois
fatores que desencadearam a dissidência de Lutero.
O primeiro foi à venda de indulgências pela Igreja. Segundo
esse costume, que se iniciou na última fase da Idade Média, os fiéis podiam
comprar, de um representante do clero, parte da absolvição de seus pecados. A
prática era oficial, aprovada pelo papa e vinha acompanhada de um ritual
solene. O comércio de indulgências representava uma espécie de resumo do que
havia de mais condenável no comportamento da Igreja daquele tempo: ganância,
ostentação, arbitrariedade e mundanismo. As deturpações do cristianismo
incomodavam os poderes locais e repugnavam os intelectuais.
Lutero sempre havia pregado contra as indulgências, mas o
que o levou a realizar um protesto público, em 1517, foi a venda de uma indulgência
especial, que oferecia privilégios específicos, lançada pelo Vaticano para
financiar a reconstrução da Basílica de São Pedro. Contra ela, Lutero elaborou
95 teses, criticando as práticas eclesiásticas, e afixou-as na porta da Igreja
do Castelo de Wittenberg. Foi o início do conflito entre o monge alemão e a
autoridade papal.
Uma nova classe
A segunda grande inquietação de Lutero tinha origem
doutrinária e o atormentou durante seus anos de formação. Ele não aceitava o
princípio, então dominante no cristianismo, de que a justiça divina se
manifestava, no plano terreno, como um julgamento dos atos dos homens. Para
Lutero, isso produzia medo e tornava praticamente impossível o sentimento
espontâneo de amor a Deus. A indignação de Lutero só se dissipou quando, ao
interpretar os Evangelhos, concluiu que os homens vivem por uma graça de Deus e
que a justiça divina é revelada pela leitura das escrituras, de modo passivo e
independentemente dos méritos ou ações de cada um durante a vida. Foi o que se
tornou conhecido como doutrina da salvação pela fé.
A reivindicação de liberdade para interpretar a Bíblia
tornou-se não só um dos pilares da reforma protestante como o princípio
fundador do projeto educacional de Lutero, que valorizou a alfabetização e o
ensino de línguas – e, mais importante, pregou o acesso de todos a esse
conhecimento. Os renovadores religiosos defendiam a formação de uma nova classe
de homens cultos, dando origem ao conceito de utilidade social da educação.
Lutero tinha um projeto inovador, mas abominava a
possibilidade de se tornar porta-voz de qualquer ideia ou ambição
revolucionária. Mesmo assim, o surgimento do protestantismo foi ao encontro dos
desejos da classe economicamente emergente de comerciantes, para quem a
educação representava uma possibilidade de aceitação e ascendência social. Nas
primeiras décadas do século 16, o Sacro Império Romano-Germânico era um mosaico
de principados mais ou menos independentes. Os interesses político-econômicos
do imperador, da Igreja e dos príncipes emperravam uns aos outros. Os
príncipes, menos obrigados ao poder papal do que o imperador viram em Lutero uma possibilidade de se
afirmar politicamente contra a autoridade central e de contestar os direitos da
Igreja sobre riquezas que se encontravam em seus territórios.
O fato de Lutero não acreditar que a salvação da alma
estivesse vinculada às ações durante a vida não implicava descaso pelas coisas
mundanas. Ao separar as esferas do poder espiritual e do poder temporal, o
líder religioso alemão atribuía ao último a responsabilidade de administração
da vontade de Deus – por isso a obediência civil seria um dever moral e a
rebelião um pecado. “A ligação entre os dois mundos é a fé, porque os que creem
são também vocacionados para servir o próximo na sociedade”, afirma o pastor
Walter Altmann.
Instrução para fortalecer a cidade
Tão importante quanto Lutero para a educação foi Philipp
Melanchthon (1497-1560). Durante o período que Lutero passou impedido de se
manifestar publicamente, Melanchthon foi o porta-voz da causa reformista e se
encarregou de reorganizar as igrejas dos principados que aderiram ao
luteranismo. Esse trabalho resultou no projeto de criação de um sistema de
escolas públicas, depois copiado em quase toda a Alemanha. A reforma da
instrução era uma das principais reivindicações das camadas mais pobres da
população, insatisfeitas com as más condições de vida e com o ensino escasso e
ineficaz oferecido pela Igreja. Esses foram alguns dos motivos da revolta
armada dos camponeses, sangrentamente reprimida em 1525. Tanto Melanchthon
quanto Lutero viam na educação um assunto do interesse dos governantes. “A
maior força de uma cidade é ter muitos cidadãos instruídos”, escreveu Lutero.
Para isso, foi criado um sistema que atendia à finalidade de preparar para o
trabalho e à possibilidade de prosseguir os estudos para elevação cultural. O
currículo era baseado nas ciências humanas, com ênfase na história.
Para pensar
A criação de uma rede de ensino público foi planejada pelos
reformadores luteranos a pedido de governantes que perceberam a urgência de
oferecer instrução ao povo. O interesse dos príncipes era fortalecer seus
domínios num tempo de constantes hostilidades entre os Estados. “Lutero
argumentou que o dinheiro investido em educação seria menor que o gasto com
armas e traria mais benefícios”, diz o pastor Altmann. E hoje, que argumento poderíamos utilizar a favor da educação para todos?
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